domingo, 26 de janeiro de 2014

Racista? Eu?

  Essa semana fui surpreendida com um comentário sutil sobre o apelido que dou aos amigos mais próximos "nega" ou "nego". É um apelido que já tenho a anos, e passei aos amigos pois tenho grande dificuldade para lembrar nomes. Eu não me recordo bem como ele começou, mas lembro que sempre fui a mais branca na minha família, inclusive na casa de meus tios, eu sempre fui a "branquela azeda" mesmo não concordando que eu era tão branca assim.


Não achava tão relevante ficar tentando entender quem descendia de índios, quem descendia de negros, quem descendia de europeus, porque eu sempre achei isso tão passado, e tão difícil (se não impossível) de ser feito que não era importante. Haviam pessoas com a pele clara e cabelos cacheados ou crespos como preferir, e pessoas com a pele morena, e negra com os cabelos lisos e por ai vai. Isso porque meus avós são descendentes dessas 3 localidades.


Eu sei que tenho vários defeitos como ser humano, levanto algumas causas e direitos em que realmente acredito, mas nenhum deles é voltado ao apoio ao racismo. E ao ouvir o comentário da moça eu fiquei tão atônita com aquilo que assim que a aula acabou eu liguei para um amigo e comecei a chorar. Isso porque eu sei que entre meus diversos defeitos, a ignorância a determinados assuntos é de fato frequente, eu apenas perguntei a alguns amigos mais próximos se eles tinham problemas com apelidos, e se esse em particular ofendia, como nenhum deles comentou nada de ruim, eu mantive o habito que nunca se estendeu a pessoas do convívio diário.

Então porque eu fiquei tão chateada? Primeiro foi a forma como ela fez o comentário. Ele saiu em forma de indireta, em uma aula, com toda uma turma ouvindo... estávamos falando de rótulos e esse foi uma indireta dela para mim. Eu adoraria que ele tivesse sido em particular, como quem faz uma observação a alguém que fala algo errado, a gente podia até ter tido um bate papo legal sobre o assunto e nos aproximado mais (eu não tenho contato com ela, ou intimidade, acho que nunca falei nada mais que oi e tchau).

E porque eu chorei? Pelo constrangimento. Você acusar alguém inadvertidamente de alguém "que rotula os outros de negros" (lembrando que eu apelidava de nego) é algo muito forte. Eu não sabia o que fazer? Achava que a palavra era uma forma de aproximar as pessoas, de tornar o termo algo comum e bonito (eu nunca usei de forma a ofender, como disse, apenas uso com amigos, mãe, irmã, namorado) ninguém que eu estivesse querendo ofender seria chamado de nego. Eu sempre ouço alguém me chamar assim e imediatamente penso "tem algum amigo me chamando". Será que as pessoas não exageram demais as vezes? Não colocam pelos em ovos?

Sensação de pisar em ovos... depois da aula fui conversar com um amigo que é sempre muito aberto a este tipo de pergunta e debate, sem fazer grandes dramas desnecessários. Isso porque, sempre que o assunto é racismo, ninguém fala nada, até um elogio vira ofensa, e você é então um babaca racista mesmo sem essa intenção. E foi muito bom poder conversar com alguém sobre isso, alguém que me conhece e me ajudou a entender melhor as coisas. Por um momento parecia que tudo que eu pudesse falar, iria ofender e uma amiga de sala me aconselhou "não fala nada, esse tema é complicado". Será? Essa é a melhor solução?

Nega ofende? Se a gente parar pra pensar, realmente é um diminutivo de "negra" e portanto, um adjetivo que designa uma cor (não sei se digo raça, se digo cor, se digo etnia, - pisando em ovos de novo). Além disso é um apelido, e muita gente prefere o uso do seu próprio nome ao invés de um  apelido. O meu amigo fez uma bela apanhada história dos últimos sei lá 5 séculos e atrelou a palavra ao contexto histórico, mesmo eu, hoje, no século 21 não tendo nenhum escravo, (provavelmente seria uma escrava) sem nunca ter cometido nenhum ato contra negros, japoneses, brancos, índios, etc, etc...

Pode nega ser usado sem ofender? Será? Pelo visto, não só essa minha expressão como também morena, parda, afro descendente, black (que inclusive é o apelido de um amigo próximo,que ele mesmo me apresentou como sendo seu apelido, esse eu não tenho nada haver) e tantos outros não podem ser usados por que ofende. Mas como assim? É uma palavra, e como tal,  pode ofender como também não. E todos os outros adjetivos? Gorda, magra, alta, baixa, branca, japa.... ficou difícil agora.

Será que usar algo ruim como algo bom, não ajuda a tirar o aspecto negativo daquilo? Eu acredito que coisas negativas precisam ser superadas fazendo as pessoas abraçarem aquilo. Por exemplo, conviver diariamente com as diferenças, faz delas algo incorporado à nossa vida... tanto que chegam a ser algo natural, simples e comum. Tipo "mãe olha o beto alí na esquina, ta vendo? ele é aquele gordinho alto sentado entre a moça morena com um chapéu, e a japa com uma bolsa azul." Por que quando a gente chama alguém de japa é muito difícil a pessoa ofender, mas o termo "morena jambu" por exemplo ofende e muito. Ta, eu entendi que os japoneses nunca foram escravos, mas eles sofreram outro tipo de perseguições, como os índios, e tantos outros. A impressão que fica, é de que o negro precisa de um tratamento mais especial (só que isso não reforça a diferença?)

E será que não foi ai que eu me fudi? Dai meu sábio amigo me fez ver por outro ângulo. Será que então, o racismo ta tão profundo (quase que na minha alma) que eu reproduzo e nem percebo, porque ele se tornou algo tão "natural, simples e comum" e algo como um "oi nega, eu adoro você" vira "oi pessoa que eu preciso reproduzir que é diferente de mim, eu adoro você." E então, as diferenças se tornam algo que a gente vê, mas não pode comentar.

Eu me perdi.... a gente estuda a necessidade de reforçar os pequenos grupos, mas algo em mim não consegue compreender isso como solução, e sim como outra forma de separar pessoas, de agrupar (e agrupar pede que você faça seleções), e onde tem grupos, tem gente de fora, gente que não entrou no grupo porque a classificação não deixou. 

Eu não quero simplesmente começar a evitar o assunto, ter que tratar determinado grupo de forma especial, ter que pisar em tanta tonelada de ovo... isso não é solução, é agravante, salvo quando o tratamento diferencial é dado para que as igualdade possa ser respeitada, como é o caso das leis e projetos de leis criados para que esses direitos sejam realmente resguardado para determinado grupo em prejuízo de seus direitos.

Eu espero que alguém que leu isso não pense que esse assunto é sobre negros e branco, que um negro deveria me dar a palavra final no assunto,  porque pra mim, não existe assunto deles, nem de ninguém, todo mundo pode falar e deve porque num país como o nosso, onde ninguém é 100% nada, eu não sou 100% branca muito menos 100% dona da razão. 

e quanto ao "nega"?  Eu ainda acho que preciso de mais material de leitura a respeito do assunto, porque infelizmente ser leigo em determinados assuntos nos coloca em situações embaraçosas as vezes. Mas eu confesso que sempre penso 2 vezes antes de soltar a palavra, com medo de ofender. Eu ainda fico muito feliz em ser chamada de nega pelos amigos e familiares (se a história dos povos escravizados é marcada por parágrafos de dor, sofrimento, repressão,  morte e exclusão), ela também me conta de um povo forte, que luta muito para vencer estígmas criados ao longo dos séculos, e portanto, eu fico muito feliz quando alguém me lembra que eu tenho lá meu pézinho na história desse povo. E quanto aos outros, bem, essa moça pode ficar tranquila que eu não usarei esse apelido com ela, (acho que posso nunca ter feito na verdade) mas continuarei a chamar a dona Claudia de "pandeirão" à minha irmã de "minha neguinha" bem como as chamo de "maroca" e de "kikika" respectivamente até que essas comentem que não gostam. E que viva as diferenças e viva o respeito ao próximo (e este vai beeeeem mais além de um mero nome de tratamento) o que realmente importa é isso na minha humilde, e ainda em construção - opinião.


ps: ainda bem que existe meu blog, onde posso registrar coisas que não podem ser ditas em alto e bom som com as pessoas aqui de fora, posso ser bem verdadeira sem demagogias, e posso manter um registro de como fui formando um conceito pra mim sobre algo. Coisa de gente que não usa mais diário.

ps2: eu vou deixar esse post aberto (tanto para visitas, quando para futuras edições).

ps3: comentários, dicas de leituras e opiniões, serão bem vindas!

ps4: eu sinto muito se ofendi alguém.


eu e minha irmã por uma criança de 6 anos.

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